sábado, 7 de janeiro de 2012

O grande barato de Drummond é que nos sentimos intimos dele. É como se ele falasse aquilo que a gente não consegue. E quando fala, parece tão simples e tão perfeito. Tão adequado à todos momentos e a todas ás pessoas. b y Deise

 


 

O ELEFANTE



Fabrico um elefante

de meus poucos recursos.


Um tanto de madeira

tirado a velhos móveis

talvez lhe dê apoio.

E o encho de algodão,

de paina, de doçura.

A cola vai fixar

suas orelhas pensas.

A tromba se enovela,

é a parte mais feliz

de sua arquitetura.

Mas há também as presas,

dessa matéria pura

que não sei figurar.

Tão alva essa riqueza

a espojar-se nos circos

sem perda ou corrupção.

E há por fim os olhos,

onde se deposita

a parte do elefante

mais fluida e permanente,

alheia a toda fraude.

Eis o meu pobre elefante

pronto para sair

à procura de amigos

num mundo enfastiado

que já não crê nos bichos

e duvida das coisas.

Ei-lo, massa imponente

e frágil, que se abana

e move lentamente

a pele costurada

onde há flores de pano

e nuvens, alusões

a um mundo mais poético

onde o amor reagrupa

as formas naturais.

Vai o meu elefante

pela rua povoada,

mas não o querem ver

nem mesmo para rir

da cauda que ameaça

deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora

as pernas não ajudem

e seu ventre balofo

se arrisque a desabar

ao mais leve empurrão.

Mostra com elegância

sua mínima vida,

e não há cidade

alma que se disponha

a recolher em si

desse corpo sensível

a fugitiva imagem,

o passo desastrado

mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres

e situações patéticas,

de encontros ao luar

no mais profundo oceano,

sob a raiz das árvores

ou no seio das conchas,

de luzes que não cegam

e brilham através

dos troncos mais espessos,

esse passo que vai

sem esmagar as plantas

no campo de batalha,

à procura de sítios,

segredos, episódios

não contados em livro,

de que apenas o vento,

as folhas, a formiga

reconhecem o talhe,

mas que os homens ignoram,

pois só ousam mostrar-se

sob a paz das cortinas

à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite

volta meu elefante,

mas volta fatigado,

as patas vacilantes

se desmancham no pó.

Ele não encontrou

o de que carecia,

o de que carecemos,

eu e meu elefante,

em que amo disfarçar-me.

Exausto de pesquisa,

caiu-lhe o vasto engenho

como simples papel.

A cola se dissolve

e todo o seu conteúdo

de perdão, de carícia,

de pluma, de algodão,

jorra sobre o tapete,

qual mito desmontado.

Amanhã recomeço.



No meio do caminho


No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra
 
Tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

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